O modo como um indivíduo marcha (anda) diz quase tudo sobre a sua educação.
Tendo em conta que o que nos faz marchar é a cabeça e não os pés, é claro que importa mais ao estilo de andar o que nos metem na cabeça do que o tipo de sapatos onde metemos os pés desde a infância.
O cérebro cria todo um mecanismo de equilíbrios no corpo que torna a marcha uma possibilidade e, ao mesmo tempo, uma projecção do que temos na cabeça sobre nós próprios e sobre a relação do que somos com o que nos rodeia.
A realidade individual marchante é uma espécie de assinatura sobre o espaço social, que delimita o campo de força gravitacional cujo epicentro é o corpo. Como as relações entre indivíduos começam sempre por ser – e mais das vezes não vão além de – relações físicas fortuitas, o estilo de marcha constitui uma espécie de expressão/proposta de relação com os outros, que provoca acertos automáticos quer na ocupação do espaço social quer no estabelecimento de uma cadeia de possibilidades de relacionamento.
O facto de o cérebro fabricar os equilíbrios necessários à marcha a partir dos dados base de cada pessoa – altura, estrutura esquelética, peso, flexibilidade, defeitos nos pés, etc – mas tomando como filtro a vontade/necessidade de evidenciar um tipo específico de conquista do espaço, o modo como andamos depende de uma aprendizagem pelo uso, tratando-se pois de um saber adaptativo, instrumental àquilo que poderíamos definir como objectivo permanente de acção vital de cada indivíduo.
Se mirarmos bem o modo como os nossos vizinhos põem os pés na rua dirigindo-se às suas rotinas – café, carro, trabalho, convívio – podemos perfeitamente catalogá-los pelo fim último de sua acção de marchar. Com breves observações, consigo distinguir na marcha de qualquer anónimo o seu objectivo permanente de acção e catalogá-lo como soldado, rei, actor, bailarina ou futebolista.