A ideia fundamental da legitimidade dos Estados é a de que estes constituam o primeiro e último reduto de defesa dos indivíduos. Por isso, as pessoas honradas e educadas abominam as ditaduras e os governos corruptos – a apropriação do Estado por ditadores ou corruptos serve sempre interesses particulares ilegítimos e não protegem, antes prejudicam, as fazendas e as vidas das pessoas comuns.
Como descobrimos na ressaca pós revolucionária – limpeza mental que dura há quarenta e tal anos – o Estado não existe fora das pessoas que o apropriam, seja com base na lei (os funcionários), seja com base na astúcia eleitoral (os políticos) seja com base na força (os donos do dinheiro).
Assim, o Estado não é melhor nem pior do que as pessoas que, por um processo ou por outro, acabam montadas no cavalo público e dirigem a caravana que é de todos.
Sucede que se tem visto historicamente provado o facto de em diferentes países haver diferentes níveis de “qualidade” no governo público, o que indicia que a “média de virtudes” das pessoas que apropriam o Estado resulta mais elevada nuns países que noutros.
Este facto será consequência de muitas razões – tradições seculares acerca da responsabilidade dos indivíduos face à tribo, influência religiosa, grau educativo generalizado, padrão alimentar, clima, etc – mas o que interessa é partir dos resultados para as premissas e não das premissas para os resultados.
Ou seja, se determinada sociedade demonstra historicamente um resultado mais consistente em matéria de bom governo provavelmente isso estará relacionado com o processo mais eficaz de selecionar aqueles que governam o que é de todos, ou seja, dirigem as instituições públicas que constituem o “Estado”.
Convenhamos que incompetentes e filhos da puta há em todas as sociedades, por isso o objetivo não pode ser impedi-los de viver, mas tão só limitar o dano que a sua apropriação do Estado poderia provocar aos concidadãos e particularmente às suas fazendas e expetativas.
Neste quadro, países que são comprovadamente mais frágeis nos seus processos de contenção do acesso dos criminosos ao Estado ganham objetivamente com a sua integração em plataformas de governação transnacional, porque os níveis de competência e de transparência tendem a igualar-se pelo critério mais exigente.
Desde que se mantenha sempre o poder de sair e seguir destino diverso, para sossegar os nacionalistas mais retóricos, estar integrado e tomar parte nas decisões globais protege mais e cria mais valor do que nem sequer ser convidado a dizer se gosta ou não gosta da cor da bandeira.
Esta ideia é importante para Portugal porque, apesar das enormes evidências que só a ignorância ou má-fé dos opinantes desvaloriza, há curiosas coincidências em matéria de percurso histórico recente que demonstram a nossa persistente dificuldade em impedir o acesso de pessoas de má índole ao dinheiro e ao poder que supostamente a todos pertence.
Basta recordar que, apenas numa geração, Portugal já foi à falência três vezes e todos os indicadores de desenvolvimento económico demonstram que somos incapazes de criar valor acima das quantias investidas, o que significa que a abundância de dinheiro, só por si, não nos torna mais ricos, apenas nos vicia no gasto exorbitante e injustificável.
Esta facilidade de acesso ao Estado por pequenas, mas eficazes, matilhas de animais ferozes apostados na devastação rápida dos recursos públicos é consequência de faltar um elemento fundamental da regulação dos comportamentos desta fauna na pequena, mas aprazível, selva lusitana. O elemento de regulação em falta é o medo.
Em Portugal não há medo de ser desonesto e prevaricador porque não há experiências de penas dolorosas e públicas para os criminosos. Por isso, sem exemplos de sério castigo, não há fator de dissuasão significativo para quem tem apetência e motivação para se introduzir na cadeia de confiança que permite chegar ao pote do mel e lambuzar-se sem vergonha.
Enquanto as Leis e os Processos Judiciais continuarem a poupar as pessoas e os bens dos criminosos que atentam contra o que é de todos não há a mínima hipótese de termos uma governação decente e sairmos da cepa torta.
A delicadeza saloia e estúpida com que são tratados os expoentes máximos da trafulhice pública transformam numa verdadeira anedota os normativos de honestidade que tentamos passar às crianças. Porque com um ambiente propício à devassidão só resistem os Heróis e os Santos, duas espécies de cidadãos tão raras que não chegam para governar um País, ainda que pequeno e simples, como Portugal.