Cliente gambozino

Apesar de a razão de qualquer negócio ser o Cliente, é muito frequente deparar com gestores que não fazem a mínima ideia de quem é esse desconhecido pelo qual dizem nutrir todo o respeito e pretender seduzir ou servir.

Dos vários equívocos que poluem a noção de Cliente – e perturbam a compreensão do processo de venda – talvez o mais grave seja essa ficção terrivelmente divulgada de que o Cliente existe.

Partindo do pressuposto de que o Cliente existe mesmo e anda por aí à solta na sua vida banal, compreende-se que todas as estratégias de negócio pretendam atingir o mesmo objectivo: capturá-lo.

Não satisfeitos com a captura do Cliente, os estrategas empresariais elevaram a objectivo final do marketing a fidelização do Cliente, que seria uma espécie de escravidão benigna e voluntária, materializada numa obrigação de exclusividade de compra à empresa em troca de uma promessa de satisfação de todas as necessidades.

Porém, a verdade é que o Cliente não existe e, como tal, não é possível capturá-lo e, muito menos, fidelizá-lo. À semelhança da história infantil da caça aos gambozinos, a caça ao Cliente é uma tarefa insana e absurda, que argumenta investimentos inconsequentes e políticas comerciais desastrosas.

Na realidade dos factos em que devemos situar a vida das empresas e as nossas apostas de marketing a primeira regra a seguir é a do reconhecimento da verdade. E a verdade é que as empresas disputam a preferência de pessoas e não de Clientes.

As pessoas realmente existem, com suas vidas totais, multidimensionais e dinâmicas, realidades sociologicamente caracterizáveis mas não completamente disponíveis ao entendimento dos directores de marketing.

Por vezes, se reunidas determinadas circunstâncias, essas pessoas são episodicamente contrapartes da nossa empresa em contratos de compra e venda e – nesse momento – adquirem o qualificativo de Cliente. Não há, portanto, Clientes se não houver Vendas. Vender é, pois, o acto mágico pelo qual criamos Clientes que antes não existiam e depois da venda tenderão a desaparecer do nosso círculo de relações.

Aquilo a que alguns chamam fidelização mais certamente designaria por capacidade de repetir vendas às mesmas Pessoas. Essa repetição pode produzir uma preferência pelos nossos produtos, pelas coisas que levam o nosso nome.

Nessa circunstância, teremos fomentado um comportamento de preferência à marca, uma espécie de predisposição para atender à nossa oferta futura e, eventualmente, comprar com mais regularidade.

Compreender o processo de venda implica pois afastar as mitologias tolas e não acreditar cegamente nos best sellers de aeroporto que prometem ensinar todos os segredos do vendedor eficaz.

Vender é um acto profundamente civilizado e intelectualmente digno, que está na base da evolução social e estabelece quadros de enriquecimento e pacificação dos países. Na base de todo o raciocínio de marketing está o conhecimento das Pessoas, das pessoas reais que, com o seu potencial de consumo, constituem o mercado.

Porque as Pessoas nasceram para serem livres e autónomas na sua Vontade, importa aceitar que jamais teremos o exclusivo da sua preferência, jamais saberemos ao certo o que querem. Por isso temos de estudar, tactear-lhes o rosto, tentar perceber para onde vão, que tipo de companhia querem que nós façamos, que discurso preferem ouvir, respeitando a velha ordem de que o Livro do Mundo é mais para ser escrito do que para ser lido.

Escrever o Livro do Mundo, neste caso, significa procurar com afinco perceber quem somos como sociedade, o que está sucedendo às famílias, aos jovens que entram na zona de risco próprio que é a profissão, às mulheres que ano a ano povoam empregos e lares com uma preponderância progressiva e ir propondo uma diálogo em que a nossa empresa possa ser parte, ainda que obviamente interessada.

Ganhará mais dinheiro quem mais depressa e profundamente sintonizar o que se vai passando nas estruturas da sociedade e mais acertadamente encontrar os simbólicos do tempo, propondo soluções práticas para os problemas do futuro.

As empresas líderes são as mais profundas conhecedoras das tendências de mercado e o mercado é a sociedade usando o dinheiro. Conheçamos melhor as Pessoas e saberemos mais eficazmente pedir-lhes que sejam nossas Clientes. Que comprem os nossos serviços.

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