O défice português em marketing

Há tempos, vi citado um estudo americano que explicava o elevado número de fracassos comerciais em novos produtos de consumo com a circunstância de os conselhos de administração das grandes empresas gastarem menos de 10% do seu tempo a discutirem as opções de marketing.

Segundo os autores, apesar de a inovação e a criatividade de marketing serem apregoadas como uma vantagem competitiva crítica para o sucesso empresarial, nas grandes corporações é raro haver no conselho de administração um verdadeiro especialista na matéria.

Sem um marketeer no topo da organização, esperar-se-ia que boa parte do tempo das reuniões de administração fosse dedicado ao conhecimento, compreensão e decisão das questões de marketing, mas um tratamento estatístico das agendas dos administradores permitiu concluir que só excepcionalmente essas questões sobem ao escrutínio do board.

Se este é o panorama na América, pátria das marcas e dos produtos globais, como é que será em Portugal, País que tem uma evidente e histórica dificuldade em vender produtos acabados a consumidores finais no estrangeiro?

Creio que na generalidade das empresas portuguesas as questões de marketing só agora começam a adquirir uma verdadeira relevância estratégica, saindo da categoria dos temas menores, habitualmente delegados em níveis de responsabilidade intermédia.

Nuns casos por gosto do empreendedor, noutros por contágio benigno da concorrência e em mais raras situações por critério empresarial estruturado e consciente, o marketing está a subir às administrações, adquirindo a prioridade lógica que sempre deveria ter tido, enquanto fonte de conhecimento e domínio do mercado, com forte repercussão nas vendas e na rendibilidade do negócio.

Verificando a ingenuidade de algumas práticas empresariais portuguesas, quase se poderia afirmar que, pior do que não ter marketing, é ter um marketing de faz de conta, ou chamar marketing a uma função baseada em “feeling e achismo”, em vez de seriamente fundamentada em dados e reflexões quantificadas sobre as possibilidades reais de vender algo e ganhar dinheiro com isso.

A falta de tradição em marketing nas empresas nacionais é consequência directa do modelo económico secularmente seguido no nosso País. Nunca fomos gente de comércio concorrencial, ou vendedores de produto acabado ao consumidor final.

Se olharmos, ainda hoje, para o ranking das maiores empresas exportadoras nacionais constatamos que pouco ou nada mudou de essencial neste domínio, pois quem produz em Portugal e vende no Mundo ou são empresas estrangeiras ou são fabricantes de produtos intermédios em sectores tecnológicos, que praticamente não precisam de marketing virado para os consumidores finais.

É claro que a aprendizagem do marketing faz-se também quando há importação, pois na distribuição interna há concorrência, sendo portanto necessário solucionar correctamente as equações de marketing para ter sucesso. Contudo, o conhecimento de marketing usado nessas circunstâncias também é importado para execução local, seja porque está embeded no produto seja porque é um requisito do contrato de distribuição.

Porque continuamos, então, com tão significativo défice de conhecimentos de marketing nas nossas empresas, com a óbvia consequência de termos uma fraquíssima posição exportadora em produtos ou serviços vocacionados para o consumidor final?  A pergunta é simples mas a resposta é complexa.

Em primeiro lugar, há que reconhecer a circunstância de as maiores empresas portuguesas continuarem centradas em negócios de não transaccionáveis e quando num País os grandes geradores de cash flow não precisam do marketing isso significa que não investem nessa competência a ponto de a apropriarem como um saber core da gestão.

Em segundo lugar, as pequenas e médias empresas nascem e desenvolvem-se centradas num saber base, geralmente detido pelo dono ou empreendedor, que é suficiente para ganhar dinheiro e acumular riqueza para o próprio, mas falha quando pretende mudar de escala. Nesse momento crítico, de ambição e crescimento, o proprietário da empresa não troca as suas certezas fundadas no êxito passado por um saber alheio que promete sucesso futuro, porque se o fizesse perdia o poder e teria de partilhar os resultados.

Em terceiro lugar, o sistema público de apoio às empresas tem privilegiado as ajudas financeiras de emergência, a formação bruta de capital fixo ou o suporte da promoção externa, aspectos interessantes mas pouco críticos para o desenvolvimento de um marketing autónomo e gerador de vendas.

O que pode, pois, ajudar o marketing português a desenvolver-se e a criar valor concreto nas empresas, servindo os empresários e o País, pela melhoria dos resultados em vendas e lucros?

Creio que o primeiro e mais decisivo dos passos neste caminho será dado pelas empresas que sejam capazes e tenham disponibilidade para incorporar nas funções de gestão capacidade efectiva para entender, discutir e ajuizar as propostas de marketing, dedicando-lhes o tempo necessário e atribuindo-lhes o prémio merecido pelos resultados.

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